[feel_____:THAT]

20061114

1 | Tanger



Entre o Mar e o Oceano, o ponto de partida da nossa viagem.

Aqui ficou claro que o estreito que separa Marrocos da Europa parece bem mais pequeno quando se está do lado de lá. O primeiro contacto com os Marroquinos, depois da longa e complexa passagem no controlo alfandegário e fronteiriço, foi um encontro com a história. Começaram também aqui os inúmeros encontros com a nossa língua.

Em Tânger cruzam-se civilizações. Pela cidade vêm-se nomes de rua em espanhol, francês e árabe. O trânsito é um caos, em particular à noite quando as ruas se enchem, agressivas para os estrangeiros ignorantes das regras e das excepções às regras.

Com a chegada da manhã aventuramo-nos na medina, desta vez a pé. Conhecemos o Ali, um comunicador nato que inspira confiança. Fala português, espanhol, francês, inglês e árabe. Conhece a história do seu país e a antiga ligação a Portugal melhor do que alguma vez a ouvi descrita em alguma conversa corriqueira do nosso lado do Mar. Logo na Praça Central os canhões apontados à Europa, são os dos próprios europeus. Portugal, Espanha e França fazem-se representar.

Convida-nos para um pequeno-almoço no café central: café forte e aromático, acompanhado do primeiro de muitos sumos de laranja doces como o mel.
Avisa-nos dos jovens que se querem aproximar demais das estrangeiras, do preço a pagar pelas nossas compras (50%, ou menos, do que o preço pedido) e das cautelas a ter na estrada. Fala da religião através dos valores humanos que nela encontra, essas regras sociais de boa convivência que todas avançam e o valor da vida. Descobrimos que aqui as sardinhas na grelha também são o prato forte do verão, mas com o extra de serem recheadas com ervas aromáticas e condimentos!

Quase no final do nosso passeio, 'salva-nos', quase literalmente, do que poderia ter sido o incidente mais espinhoso da viagem, e que atraiu uma multidão no centro de um cruzamento: o falso atropelamento de um jovem ciclista que procurava o dinheiro fácil que a matrícula estrangeira prometia.

Depois de tanta demonstração de serena sabedoria nem queríamos acreditar: Ali aprendeu quase tudo o que sabe informalmente com os seus pares e com os mais velhos. Tem 65 anos, 18 netos e é analfabeto, tal como cerca de 55% da população do país.

A viagem de noite até à cidade seguinte correria bem, prometeu - inch'allah (se deus quiser - ou oxalá, como dizemos em português). Como o Ali gostou de saber que este resquício da presença do seu povo em terras lusas permanecia no nosso discurso! Fez-nos felizes conseguir estreitar por momentos essa enorme distância psicológica que nos separa como povos e que nem a proximidade geográfica parece conseguir atenuar.


Na fotografia: entre o Cabo Spartel e as Grutas de Hércules, nos arredores de Tanger.

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